Por Victor Breno
No último final de semana tive a
oportunidade de compartilhar do evangelho com um grupo de jovens batistas por
ocasião do aniversário do grupo, na cidade de Sarzedo – MG. O tema do encontro foi
“Anseio por Santidade”, um assunto que a meu ver tem sido entendido de forma um
tanto quanto controversa pela cultura evangélica e justamente por isso
sugestivo de reflexão. As linhas que se seguem são a tentativa de uma breve transcrição
dos pontos principais da minha fala no domingo de manhã por título “A
santificação segundo Jesus” a partir do texto de João 17:17-21.
A santificação segundo a oração sacerdotal de Jesus – Jo 17:17-21
A doutrina da santificação é um
tema de extrema importância e centralidade na espiritualidade da vida cristã de
acordo com o evangelho de Jesus. Por causa disso, é imprescindível que
compreendamos adequadamente o que de fato significa a santificação a partir das
escrituras. Para tanto, queremos primeiramente fazer algumas ressalvas a
respeito de como a cultura evangélica no nosso país entende essa doutrina, para
que em seguida tratemos, em contraste, a concepção de Jesus a respeito da
santificação.
Entendemos que a cultura
evangélica compreende equivocadamente o tema da santificação. Ao analisamos o
conteúdo e lógica dos discursos, músicas e artefatos manifestos pelo mercado
gospel e praticadas por um grande número de nossas igrejas ditas evangélicas,
podemos notar pelo menos quatro acepções feitas concernentes à santificação:
1)
Esforço humano – pessoal - de aquisição de uma
alta moralidade religiosa e vitalidade ritualística
2)
Condição espiritual para canalização ou bloqueio
da “bênção” de Deus
3)
Status moral-religioso de alienação do mundo
4)
Estágio espiritual de acesso e relações
privilegiadas com o mundo sobrenatural
De acordo com minha compreensão
do evangelho, entendendo ser também não apenas uma constatação pessoal, mas o
lugar-comum da tradição cristã a esse respeito, estes modos de conceberem a
santificação encontram-se significativamente em oposição ao ensino bíblico a
respeito do tema. Longe de desenvolver um estudo sistemático da doutrina
bíblica da santificação (esforço necessário, mas reservado para outra
oportunidade) quero expor alguns pensamentos, em forma de proposições,
extraídos das declarações de Jesus em sua oração – convencionalmente chamada de
a oração sacerdotal – registrada no
evangelho de João 17:17-21.
João 17:17-21
17 Santifica-os na verdade, a tua palavra é a
verdade
18 Assim com tu me enviaste ao mundo, também eu
os enviei ao mundo
19 E por eles me santifico a mim mesmo, para
que também eles sejam santificados na verdade
20 Eu não rogo somente por estes, mas também
por todos aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim
21 para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o
és em mim, e eu, em ti; que eles também sejam um em nós, para que o mundo creia
que tu me enviaste
1)
A
santificação é uma obra de Deus operada em nós: “Santifica-os...”
Está clara a luz da declaração do texto que Jesus compreende
a santificação não como uma realização humana ou decorrente dos esforços
pessoais de se adquirir determinado status perante Deus, mas que é o próprio
Deus que por sua auto volição, em graça e misericórdia, empenha-se em
desenvolver a santificação em nós. A Deus pertence à iniciativa, os meios e
resultados da santificação.
2)
A
santificação é uma operação libertadora de Deus para nós: “Santifica-os na verdade...”
A verdade de Deus não é uma ideia subjetiva ou um conceito
abstrato, mas uma realidade espiritual de dimensões concretas, a saber, a
libertação. João 8:32 registra: “e conhecereis a verdade e a verdade vós
libertará”. A santificação que Deus desenvolve em nós não é opressora, mas
libertadora. Essa santificação nos livra pelo menos de duas formas de
escravidão: da tirania prescritiva da lei vétero-testamentária e do domínio do
pecado sobre as esferas do ser e da vida humana.
3)
Somos
santificados pela palavra de Deus que é o próprio Cristo: “Santifica-os na
verdade, a tua palavra é a verdade”
A ‘palavra de Deus’ que santifica não é o objeto “bíblia”
como que por meio de uma operação mágica realizada em nós pelo ler, decorar,
assimilar o texto. A ‘palavra de Deus’ aqui é o próprio Jesus, como o Verbo
encarnado de Deus em favor da humanidade. A palavra de Deus que santifica é o
ser de Cristo misticamente sendo formado e assimilado em nós. É seu caráter
sendo produzido nas nossas vidas a ponto de nos tornamos “santos como ele é
santo”.
4)
A
santificação é uma experiência vocacional: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”
Aqueles a quem Deus santifica, libertando-os para viverem
conforme a imagem do seu filho Jesus, também são chamados a responsabilidade da
missão. A santificação não é uma realidade alienadora e descompromissada, mas
envolve assumirmos o chamado “...eu os enviei...”, seguindo um modelo “assim
como tu me enviaste...”, para um lugar “...ao mundo”. A santificação reclama a
experiência de encontrarmos nossa vocação no reino de Deus para glória do seu
nome no mundo que ele nos chama a missionar.
5)
A santificação
é imputada a nós por mérito de Cristo: “E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam
santificados na verdade”
A santificação não é resultado da observância de uma alta
moralidade religiosa ou do esforço pessoal de nos colocarmos numa relação de
privilégios para com Deus, mas de assumirmos e recebermos a obra realizada por
Cristo na cruz por nós. Somente pelo mérito de Cristo conquistada pela sua
completa obediência a Deus em favor da redenção da humanidade podemos ser
considerados santos. O mérito da nossa santificação advém da imputação de sua
santificação a nós.
6)
A
santificação é recebida unicamente pela fé: “Eu não rogo somente por estes,
mas também por todos aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim”
Não existem barganhas ou quesitos morais e religiosos para
se receber a obra da santificação. Segundo Jesus, aquele que crer nele pode
receber a santificação. É um ato de fé onde aceitamos pela fé a obra que Cristo
já fez por nós.
7)
A
santificação tem como objetivo a plena comunhão horizontal e vertical: “para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és
em mim, e eu, em ti; que eles também sejam um em nós...”
Quando Deus nos santifica ele visa, assim como acontece na
economia trinitária, estabelecer uma relação plena entre os indivíduos. As
barreiras da inimizade são desfeitas e o ser humano pode ser reconciliado com
seu próximo tornando-se irmão e seu responsável. Também a santificação restaura
nossa comunhão com Deus, a luz da relação que Cristo tem com seu Pai. A santificação
é uma obra e um convite a uma relação verdadeira com o próximo e de intimidade
com Deus.
8)
A santificação desemboca finalmente no
testemunho de Cristo ao mundo: ”...para
que o mundo creia que tu me enviaste.”
A razão principal da santificação segundo Jesus não é fazer
seres moral-religiosamente melhores para vanglória destes, mas que a santidade
expressada através das suas vidas seja um tipo de espelho que reflete e aponta
para o “santo”, que é Jesus Cristo. Esse critério nos desafia a avaliarmos
nossa espiritualidade a partir da oração de Jesus por santificação dos seus,
para que entendemos que a santificação termina sempre em testemunho, sinal,
profecia e anúncio.