domingo, 26 de agosto de 2012

# Teologia do Pluralismo Religioso: breves apontamentos [última parte]






por Victor Breno



1.      Eixos e Formas do Diálogo Inter-Religioso

Segundo Sanchez, três pressupostos trazidos pela modernidade apontam para a necessidade de existência do diálogo inter-religioso: a ruptura do monopólio religioso, a pluralização de cosmovisões e a relativização das certezas[1]. Dada a impossibilidade de se descartar tais fatos, o diálogo inter-religioso constitui-se numa atitude fundamental de afirmação religiosa de relevância e convivência social.
      O diálogo inter-religioso quer ser esse esforço de aproximação entre as diversas religiões, tanto no nível do discurso, como no nível das práticas, promovendo a convivência pacífica e a promoção da vida humana. Teixeira resume isso bem quando diz que:
O diálogo autêntico traduz um encontro de interlocutores pontuado pela dinâmica da alteridade, do intercâmbio e da reciprocidade. É no processo dialogal que os interlocutores vivem e celebram o reconhecimento de sua individualidade e liberdade, estando ao mesmo tempo disponibilizados pelo enriquecimento da alteridade.[2]

Seguindo ainda um breve roteiro de Teixeira[3], gostaria de sintetizar e sumarizar os eixos e formas do diálogo inter-religioso. Para que haja a possibilidade de diálogo, são necessárias algumas condições preconcebidas:
a)      A consciência da humildade, que é aquela tomada de atitude interior individual não qual abrimos mão dos preconceitos e de qualquer tipo de presunção de superioridade e nos abrimos ao espaço do outro.
b)      A abertura ao valor da alteridade também é de suma importância quando se quer levar o outro a sério. É na surpresa e na descoberta da alteridade que se pode aprender na diferença e compartilhar na igualdade.
c)      A fidelidade à própria tradição é um dos elementos essenciais à aqueles que se empenham no diálogo. Não é possível que alguém vá a esse encontro com o outro desprovido das compreensões básicas da sua própria fé. Todavia, é a identidade aberta, que também está disponível a construção permanente pela dinâmica do diálogo.
d)     A busca comum da verdade é o caminho de se tentar captar certos aspectos do mistério divino que ate então estavam despercebidos pelas tradições. É a busca conjunta de perceber, na maior densidade possível, facetas da realidade da verdade impossíveis de ser tomadas a não ser pelo diálogo.
e)      A ecumene da compaixão deve ser o objetivo principal do diálogo. O compromisso ético e a promoção da vida humana devem ser os alvos a serem abraçados nos esforços contínuos pelas tradições. Fazer das religiões entidades humanizadoras e militantes com as causas sociais e de justiça.  

Ainda seguindo Teixeira, três formas básicas em que o diálogo inter-religioso pode se concretizar:
a)      O diálogo como cooperação religiosa em favor da paz: envolve as ações e colaborações em favor da sociedade e do humano. Também chamada de diálogo da vida, prima por propagar a justiça, a paz, a solidariedade e a compaixão.
b)      O diálogo dos intercâmbios teológicos: a partilha e reinterpretação dos postulados teológicos por especialistas visando uma maior compreensão do mistério proporcionando novas alternativas e perspectivas a níveis da própria teologia da tradição, quanto aquelas que cooperam para o encontro inter-religioso.
c)      O diálogo da experiência religiosa: acontece no nível da oração e da contemplação. Atitude de abertura ao encontro do mistério do outro e devoção construtiva e dinâmica no processo de maior relacionamento com o mistério e de transformação humanizadora individual e coletiva.
De fato o tema é bastante novo e um longo caminho se lhe apresenta pela frente. Obviamente os comentários apresentados não esgotam a amplitude do tema e faz jus a extensão do tema. Nosso caminho foi o de mostrar a importância e necessidade da reflexão teológica contemporânea sobre o pluralismo religioso.


[1] Ibidem, p. 59.
[2] TEIXEIRA, Faustino. ZWINGLIO Mota Dias. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: a arte do possível, p.124
[3] Ibidem, p.123-153.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

# Teologia do Pluralismo Religioso: breves apontamentos [Parte 2]

por Victor Breno


 Paradigmas da Reflexão Teológica sobre o Pluralismo Religioso
Historicamente, o cristianismo assumiu algumas posições básicas em relação a as religiões não-cristãs e, muito embora esses posicionamentos reflitam dado momento de desenvolvimento na história, eles podem ser encontrados ainda hoje dependendo da perspectiva teológica das igrejas. A problemática do pluralismo religioso no bojo da reflexão teológica cristã pode ser teoricamente distinguida sobre três paradigmas: Exclusivismo Eclesiocêntrico, Inclusivismo Cristocêntrico, Pluralismo Teocêntrico.
a)      Exclusivismo Eclesiocêntrico
Essa posição afirma a exclusividade da religião cristã como caminho para a salvação humana. Segundo Dupuis, a proposição Extra ecclesiam nulla salus, foi tomada como assertiva pelos representantes institucionais da Igreja Católica Romana.[1] Sanchez que essa posição “se originou nos primeiros séculos da era cristã, com Orígenes, Cipriano e Agostinho, foi definida pelo IV Concílio de Latrão (1215) e reafirmada pelo Concílio de Florença”.[2]
A Igreja Católica Romana rejeitava qualquer tipo de revelação do sagrado fora do universo da cristandade e mais especificadamente da igreja institucional. No caso protestante, seguindo os princípios sola fide (só a fé), sola gratia (só a graça), sola scriptura (só a escritura), ela adquire uma forma não eclesiocêntrica. A posição protestante apresentou um avanço em relação ao eclesiocentrismo católico oferecendo as bases para o ecumenismo e para a elaboração de outro paradigma, o inclusivismo.
b)      Inclusivismo Cristocêntrico
Nesse modelo já não é a igreja que está no centro, mais Cristo. A meio século se apresenta como um avanço sobre a reflexão. Aqui a verdade da salvação ainda se encontra totalmente na religião cristã, muito embora, as outras tradições possuam elementos da verdade divina, os chamados valores implicitamente cristãos[3]. Está posição abriu caminho no mundo teológico com o Concílio Vaticano II.
Destacam-se aqui a teoria do cumprimento, na qual o cristianismo é o acabamento das outras religiões, e, a teoria dos cristãos anônimos, desenvolvida pelo teólogo Karl Rahner, segundo o qual a autocomunicação de Deus se estende aos indivíduos além dos alcances da igreja gerando nestes uma vida baseada nos valores de Cristo, quer saibam disso ou não. Colaborou para o Ecumenismo e uma reflexão mais séria do que a anterior a respeito do pluralismo religioso.
c)      Pluralismo Teocêntrico
Sugerida como um novo paradigma na teologia do pluralismo religioso, o pluralismo teocêntrico afirma que todas as religiões participam da salvação de Deus, possuem autonomia salvífica, pois que está no centro não é mais apenas uma religião, mas sim Deus[4].
John Hick é o nome do principal representante desta escola, desafiando a teologia a uma “revolução copernicana” e a se desenvolver “um novo mapa” do universo da fé[5]. Neste posicionamento reivindica-se uma igualdade básica das religiões[6], que é diferente de querê-las todas iguais. São equivalentes no sentido de que estão num mesmo plano salvífico de Deus aos homens em suas particulares captações histórico-culturais da manifestação do transcendente.
Sem abandonar o específico da fé cristã, Jesus Cristo, esse modelo quer ser um avanço diante dos anteriores paradigmas. Sanchez diz que:
A posição do pluralismo nasce do esforço de tantos teólogos de construir um referencial teórico que, num mundo com grande diversidade religiosa, possibilite um diálogo sincero do cristianismo com outras religiões.[7]


[1] DUPUIS, Jacques. O cristianismo e as religiões: do desencontro ao encontro, p. 19.
[2] SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual, p. 68.
[3] PANASIEWICZ, Roberlei. Pluralismo religioso contemporâneo: diálogo inter-religioso na teologia de Claude Geffré, p. 136.
[4] VIGIL, José Maria. Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo, p. 64.
[5] Ibidem, p. 85.
[6] Ibidem, p.85.
[7] SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual, p. 74.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

# Teologia do Pluralismo Religioso: breves apontamentos [Parte 1]



por Victor Breno

O pluralismo religioso hoje já é uma questão irremediável para a reflexão teológica. O tema é surge como um desafio e uma oportunidade inéditos até então para a fé cristã. A importância da temática vem sendo discutida e trabalhada por diversos especialistas, círculos acadêmicos e está entre as prioridades nas pautas sobre o fazer teológico hoje. Na compreensão de Claude Geffré, um dos destacados teóricos dessa perspectiva, afirma que o pluralismo religioso é “o novo paradigma teológico” no “horizonte da teologia no século XXI”[1].
O teólogo Vigil[2] nos alerta, na apresentação de um dos seus livros, sobre a magnitude do fenômeno para a contemporaneidade:

“A pluralidade das religiões, num mundo em processo de unificação tão acelerado como jamais se viu na história humana, coloca-nos a todos, crentes e não-crentes, diante de uma tarefa das mais urgentes e decisivas. Já não cabem nem a ignorância mútua nem a distancia indiferente. Como Karl Jaspers dizia das situações-limite, isso não se pode mudar: o que está em nossas mãos é modificar e configurar a própria atitude. O futuro dependerá, com efeito, do modo como consigamos enfrentar seu desafio. E sua oportunidade.”

A teorização sobre a temática é recente, reme aos anos de 1960 e vem à tona com o processo da globalização trazido pela modernidade. Com o advento da modernidade, não há mais possibilidade de se reafirmar a hegemonia religiosa de qualquer tradição que seja. Com a globalização, propagada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação em massa e as novas tecnologias, as religiões deixam de estar isoladas no seu espaço territorial e cultural próprios para serem postas uma de frente com a outra.
A tomada de consciência da realidade religiosa global faz com que se reafirme a questão da identidade própria de cada tradição, o específico irredutível de cada uma, e também repensar a necessidade de uma abertura ao outro num encontro inter-religioso na qual a partilha do acolhimento do sagrado por seu lócus histórico-cultural próprio.
Aqui é preciso fazer uma distinção básica entre pluralidade religiosa e pluralismo religioso. Pluralidade Religiosa diz respeito à existência da variedade de expressões religiosas numa determinada sociedade. Já o Pluralismo Religioso, diz das relações legais e simbólicas entre a religião e o estado[3]. É muito importante se compreender tal distinção para que se possa afirmar a imprescindível necessidade do diálogo inter-religioso.
O cerne da reflexão teológica a respeito do pluralismo religioso é a pergunta se esse pluralismo é um fato contingencial, pluralismo de fato, ou, se ele faz parte dos desígnios misteriosos de Deus, pluralismo de princípio. A partir daí, a teologia cristã é desafiada a reinterpretar a fé no horizonte hermenêutico fornecido pela realidade inter-religiosa. Vigil nos fala necessidade do estudo sobre o pluralismo religioso:

O que o estudo da teologia do pluralismo religioso pode nos proporcionar não é, pois, somente uma aquisição de novos conhecimentos – algo simplesmente teórico - ,mas sim um questionamento, uma reconstrução de conhecimentos religiosos já adquiridos, uma renovação de convicções religiosas básicas, o que nos levará a uma nova forma de viver a religião – uma prática nova.[4]


[1] GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia, pp. 26 e 134.
[2] VIGIL, José Maria. Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo, p. 7.
[3] SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual, p. 25-40.
[4] VIGIL, José Maria. Teologia do pluralismo religioso: para uma releitura pluralista do cristianismo, p. 15.