terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

# Série: Teologia da Missão Integral - Em busca de uma definição para missão


por Victor Breno

O termo missão (do latim missio, “enviar”) foi usado primordialmente pelos jesuítas para descrever a propagação da fé católica entre aqueles que não eram membros da igreja católica. Historicamente, é compreendido como a propagação do cristianismo, ainda que, muito freqüentemente, a ocidentalização dos pagãos caminhasse lado a lado com sua cristianização.         
O termo específico missão, contudo, não era usado para as atividades de alcance da igreja, tal como conhecemos hoje. Até os séculos XVI e XVII, missão era um termo teológico utilizado exclusivamente com referência a Trindade quando se falava do envio Deus-Filho ou Deus-Espírito Santo.
A segunda metade do século XX viu literalmente milhares de novas iniciativas missionárias. No entanto, com o fim do colonialismo e o espírito emergente de independência política, libertação teológica e direitos humanos igualitários, algumas igrejas no Terceiro Mundo proclamaram liberdade das missões ocidentais.
Hoje, como se verá um pouco mais a frente, a ênfase saiu dessa atividade humana de propagação ou evangelização para recair na missio Dei: o reconhecimento de que a missão é primariamente a missão de Deus e que tudo o que fazemos emana do envio do Filho pelo Pai e da igreja pelo Filho.
No que tange ao conceito de missão, não há consenso simples a respeito do seu significado. Cabe então a reflexão teológica o labor de perscrutar a bíblia sagrada na busca de um entendimento mais coerente da missão com a verdade do evangelho possível.
Porém, ainda seguindo a linha de pensamento de Bosch, antes de se fazer uma abordagem a respeito do tema da missão, é necessário diferenciar e conceituar as palavras “missão” e “missões”, costumeiramente entendidas como sinônimos. O primeiro conceito se refere à missio Dei. A missão de Deus diz respeito a auto-revelação de Deus como aquele que ama este mundo de modo inefável e absoluto. Descreve a ação de Deus através do povo de Deus e de sua presença no mundo. A missão não é, pois, primeiramente uma atividade da igreja, mas um atributo divino. A missão é primária; as missões são secundárias, derivadas da primeira. Sendo a missão de Deus atividade de Deus, ela abarca tanto a igreja quanto ao mundo. A igreja é privilegiada em virtude de sua vocação de ser parceira dessa ação de Deus, mas jamais exclusivamente. Deste modo, as missões referem-se às diferentes formas adotadas pelas igrejas para por em prática a missão como participantes da missio Dei.
            A visão que se quer defender aqui a respeito da missão é o da missio Dei. A outra visão que se quer abandonar, o entendimento tradicional da missão que tomou forma no movimento missionário moderno, trabalhada mais detadalhamente num ponto mais a frente, diz respeito a um entendimento e prática missionária eclesiocêntrica, na qual a igreja é a portadora da missão e, portanto, cabe a ela discernir quais são as prioridades pelas quais deve desenvolver seus ministérios. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

# Uma oração para ser vivida - Blaise Pascal



por Victor Breno

"Permite-me, Ó Senhor, que, sendo o que sou, eu possa conformar-me à Tua vontade.
Mesmo estado tão enfermo como me encontro agora, que eu possa glorificar-te em meus sofrimentos.
Sem eles eu não posso alcançar a Tua glória.
Pois Tu, Ó meu Senhor e Salvador, igualmente, não Te satisfizeste em alcança-la, exceto por meio de sofrimentos.
Foi pelas marcas de Tuas feridas que Tu foste reconhecido por teus discípulos, e é por meio dos sofrimentos que eles afirmam que ainda Te fazes conhecido aos Teus discípulos.
Possui-me como Teus discípulo nas aflições que ainda devo suportar, em meu corpo e minha mente, pelos pecados que tenho cometido.
E, como nada é aceitável a Deus a não ser que seja apresentado por Ti, unifica a minha vontade com a Tua, assim como meus sofrimentos com os que suportaste.
Une-me a Ti, preenche-me com Tua presença e com Teu Santo Espírito.
Entra em meu coração e minha alma.
Lá, alivia as minhas aflições e preserva em mim o que permanece de Tua paixão".

[Blaise Pascal - Matemático, Filósofo e Teólogo]

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

# Série: Teologia da Missão Integral - Um pouco de metodologia

por Victor Breno
Uma primeira consideração importante a se fazer, é que não há dentro da Teologia da Missão Integral um tratamento sistemático do método que ela utiliza. Isso não quer dizer que só seja possível chegar à conclusão a respeito de sua metodologia por intuição. Sua ordenação metodológica tem sido formulada pelos diversos articuladores, teólogos e congressos que tratam especificadamente dos textos. É da análise dos documentos originários do movimento que se pode esquematizar o modo pelo qual se estabelece o método.
O método teológico é importante principalmente por dois motivos: primeiro, é que está metodologia específica será o fator modelador do conteúdo diferenciado e específico para qualquer teologia, e constituinte do seu estatuto próprio. Isso quer dizer que para que a Missão Integral mostre seu caráter próprio de teologizar em relação àquilo que já foi pensado e definido em outro momento por outras teologias, ela precisa apresentar um modo diferente de organizar sua grade teológica. Segundo, porque é necessário dar resposta, ordenada e consistente, ao contexto e problemas sócio-históricos específicos de onde se quer desenvolver uma teologia.
A Teologia da Missão Integral parte da revisão histórica da prática missionária que lhe deu antecedência missiológica para a crítica, avaliação e reordenação do específico para o fazer teológico. Num processo de autonomia no discernir e produzir de um pensamento contextual a respeito de sua missão, a Missão Integral pretende romper com as marras metodológicas que lhe foram trazidas por meio dos projetos e teologias vindas do estrangeiro, e propõe uma forma mais local a luz das necessidades na qual a igreja é chamada a missionar.
            Assim, o modo metodológico da Teologia da Missão Integral encontra-se no surgimento de uma nova maneira de pensar a missão da igreja a luz dos problemas sócio-culturais do contexto e da crítica histórica ao movimento de missão. Ela vai sendo forjada assim, pela realidade na qual a igreja se encontra e suas demandas históricas, eclesiais e sociais.
A Missão Integral faz uso do círculo hermenêutico como processo dinâmico e de constante revisão crítica quanto àquilo que seja o conteúdo bíblico do evangelho e as demandas do contexto. É uma constante ida e vinda a partir das escrituras sagradas ao contexto e do contexto de volta as escrituras. Desse modo, a mensagem da teologia e da igreja nunca se encontra em dissonância com a realidade histórica da igreja. Onde quer que ela esteja, estará sempre apresentando uma mensagem e atuação compromissada e relevante.
É utilizando uma hermenêutica circular, inter-relacionando constantemente o contexto e a Palavra de Deus, que a igreja pode se mostrar efetivamente engajada em oferecer respostas as necessidade do povo e da sociedade e apresentar a mensagem salvadora e libertadora de Cristo ao mundo.
Como observamos, a Teologia da Missão Integral constitui-se de um modo de teologizar que leva a sério os princípios de contextualização, integralidade e utiliza o Reino de Deus como chave hermenêutica na interpretação do seu construto teórico. Assim sendo, ela se mostra com vitalidade e vigência para ser uma nova referência nos conceitos e praticas missionárias para a igreja local.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

# Série: Teologia da Missão Integral - Um pouco de História


por Victor Breno


Por volta da década de 60 e 70, os evangélicos de todo o mundo percebendo a descristianização da sociedade ocidental e a grande quantidade da massa populacional do mundo que ainda não tinha conhecimento do Evangelho, resolveram reunir-se para juntos levantarem reflexões e estratégias sobre a evangelização mundial. A partir destas percepções, diversos congressos de pequeno porte eram realizados com esse fim. Porém, vendo a necessidade de uma maior participação dos cristãos espalhados pelo mundo e de um maior diálogo e engajamento pelas igrejas de diversos lugares do globo, organizou-se dos dias 16 a 25 de julho do ano de 1974, na cidade de Lausanne, Suíça, o primeiro Congresso Mundial de Evangelização. 
O Congresso realizado em Lausanne foi patrocinado pelo Ministério Billy Graham com uma convocação bastante conservadora. A evangelização programada que se queria propor aos participantes era de vertente conversionista, que gerava uma descontinuidade entre indivíduo e sociedade. Esse conceito estava estampado nas inúmeras agencias de missão norte americano de corte fundamentalista, subsidiários da realização do evento.
Um grande debate durante o congresso ocorreu em torno da extensão da missão. Houve ali uma pressão no sentido de se identificar a missão apenas com a evangelização, de se ignorar qualquer consideração a respeito do papel que o contexto cultural e os condicionamentos ideológicos tinham sobre a teologia e a prática missionária, e de dar prioridades às vozes dos teólogos do primeiro mundo nas conclusões.
 Todavia, houve uma guinada na matriz teológica orientadora do congresso. Com o apoio do Dr. John Stott, um dos líderes do encontro, representantes da América Latina puderam expressar suas idéias. A participação de alguns teólogos latino-americanos foi fundamental nesse sentido. A presença latino-americana no congresso de Lausanne colocou em pauta a necessidade de se refletir sobre as estruturas sociais e os contextos culturais dos povos onde a missão se realiza.
Do evento, foi produzido um documento chamado de Pacto de Lausanne, que se firmou como o marco da Missão Integral. Nele procurou-se estabelecer referenciais teológicos que favorecessem um maior engajamento em projetos locais e em iniciativas missionárias. Foi a partir do Pacto de Lausanne que se consolidou o anseio de uma geração de produzir uma missão integral. O Pacto de Lausanne representou a possibilidade concreta de renovar os modelos missionários pelas igrejas locais para um maior engajamento na sociedade nas quais estavam inseridas.
Com o lema ‘’o evangelho todo, para todo o homem, pelo mundo todo’’, a Missão Integral a luz do Pacto de Lausanne começa a representar um novo paradigma nos conceitos missionais nas quais as igrejas locais e toda reflexão teológica deveriam rever seus conceitos e práticas missionárias para uma percepção mais Bíblica e contextual do Evangelho do que tradicionalmente se tinha concebido.
O Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne, Suíça, representou muito mais que apenas mais um congresso sobre evangelização. Ela corresponde à realização das expectativas dos cristãos latino americanos na formulação de uma teologia própria que lhe dessem fundamentação e discernimento no cumprimento da sua vocação missionária em seu contexto específico.