quinta-feira, 26 de abril de 2012

FAZER O FÁCIL? É FÁCIL




Por Alessandro Arlan Flugel


Em um relacionamento entre namorados é natural um olhar para o outro e dizer: “eu te amo”. Em contra partida, o outro também diz: “eu também te amo”. Que lindo isso. É a expressão dos sentimentos humanos, no caso deste exemplo, sentimentos recíprocos.
É gratificante poder ajudar um amigo que sempre nos ajuda. Pense comigo, aquele amigo a quem você sempre recorreu quando necessitou agora está precisando de ajuda e você pode ajudá-lo. Neste momento, a oportunidade que surge de poder retribuir-lhe os favores, certamente será gratificante. O sentimento não será de dívida paga, mas sim, reciprocidade.
Havendo condições, qual dentre nós não gostaria de emprestar algo a alguém sabendo que assim que ele puder irá nos pagar? Sem dúvida, todos nós gostaríamos desta oportunidade. Entretanto, a Bíblia Sagrada nos ensina algo muito mais nobre que isso.
No Evangelho de Jesus, escrito por Lucas, vemos no capítulo seis e versículos trinta e dois até o trinta e seis, algo realmente difícil de ser feito, porém necessário. As palavras de Jesus neste texto, parte integrante do sermão do monte, nos desafiam a rever nossos conceitos em relação ao que realmente significa ser misericordioso. Normalmente, tocamos trombetas ao ajudar alguém. Pior que isso é que essa pessoa quase sempre é alguém que amamos e que também nos ama; alguém que em algum dia, de uma forma ou de outra, poderá nos retribuir por aquilo que fizemos a ela.
Jesus nos diz que é fácil amar quem nos ama, difícil é amar nossos inimigos. É fácil fazer o bem a quem sempre faz o bem para conosco, do mesmo modo que é fácil emprestar algo a quem pode pagar. Entretanto, laborioso é emprestar sem esperar pagamento. Neste sentido, os ensinamentos morais apreendidos nos versículos citados acima vão muito além.
Aprendo que segurar uma criança bem vestida, cheirosa e sorridente é muito fácil para nós, mas a real prova de nossa espiritualidade se dá quando seguramos em nossos braços os pequeninos mal trapilhos e mal cheirosos, resultantes das péssimas condições de vida que estão sujeitos. Crianças sem o sorriso no rosto, pelo contrário, desde muito cedo trazem as expressões de uma vida sofrida.
Provamos nossa espiritualidade, não quando socorremos financeiramente um amigo, na certeza que ele vai nos pagar, mas sim quando damos a alguém água, comida, roupas, remédios, sabendo da possibilidade que esta pessoa nunca possa nos retribuir. Amar nossa família e nossos amigos é muito fácil, difícil é amar os assassinos, ladrões, estupradores, prostituas, alcoólatras, drogados.
Que possamos amar quem não nos ama, fazer o bem a quem já nos fez o mal. Ajudar aqueles a quem nunca mais veremos.
Tem muitas pessoas fazendo facilmente o fácil. Obedeçamos as Escrituras e sejamos diferentes. Vamos fazer facilmente o difícil.

LUCAS 6

32 Se amais os que vos amam, que recompensa mereceis? Também os
pecadores amam aqueles que os amam.
33 E se fazeis bem aos que vos fazem bem, que recompensa mereceis?
Pois o mesmo fazem também os pecadores.
34 Se emprestais àqueles de quem esperais receber, que recompensa
mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para
receberem outro tanto.
35 Pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem
daí esperar nada. E grande será a vossa recompensa e sereis filhos do
Altíssimo, porque ele é bom para com os ingratos e maus.
36 Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.

domingo, 22 de abril de 2012

# Sublime


por Gideane Moraes (Formada em Teologia e Pós-Graduanda em Filosofia)

Olha-se ao redor e vê-se partes minúsculas formando um quadro de cena. Vê-se pessoas. Vê-se comércios. Vê-se transportes. Vê-se capitalismo. Pessoas correndo e correndo em busca de instantâneas satisfações e minúsculas sensações de prazer. De ímpeto olho para mim. Não vejo o que eles vêem, não busco onde eles buscam.  

No mesmo cenário, olho ao redor e contemplo aquilo pelo qual se faz o cenário girar. Mas não falo de comércios, transportes e seus adjacentes. Falo do céu que está acima de todas essas coisas, inclusive das pessoas. Ele é bem mais atraente do que muitas vitrines e placas. Ele é auto- possuidor de vida. Ele se movimenta sem precisar ser ligado a uma tomada. Ele tem cores próprias sem que nenhum ser humano o tenha pintado. É maior! É sublime.

Continuo olhando e vejo além dessas ruas. Ruas que deságuam no rio, olho para o rio e, como todos os dias, me surpreendo outra vez. Rio lindo. Rio vida. Rio de vida. A vida do lindo. Esse rio não precisa de moedas para fazer acontecer, não negocia nem deixa-se negociar. Ele é que realmente me remete ao maior prazer : Seu criador. Sua dança silenciosa é mágica e tão nostálgica que chego a me perder com ele em sua ida. É maior! É sublime.

Olho novamente e agora vejo pessoas, mas não como eles. Vejo PESSOAS e não suas possibilidades de ações e o que podem oferecer para seu funcionamento como máquinas e mediadores das potencialidades entre “senhor” e consumidor. Imagino sua insignificância em sua árdua tentativa de ser feliz, preso por uma rotina e hábitos que cada dia o levam para o mesmo lugar. Onde está. Parece que não percebe que tudo é muito rápido e “loguinho” acabará. Alguns só pensam no lá, no que poderá esperá-los para além daqui. Como assim? Esquecem que a vida é uma preciosa oportunidade de viver... V I V E R !

Sabe que parece ser dois lugares diferentes. Mas não é. O segredo está na cosmovisão de quem a carrega. Como se vê. A banalidade da vida anda lado a lado com sua preciosidade. Pena ser o ser humano pequeno demais. Somos medíocres em alta dimensão. Porque simplesmente é tão mais fácil se prender a um mesquinho sistema do que procurar em si, a fim de encontrar a essência da vida?

As pessoas vão tão longe buscar essa instantânea sensação de prazer, quando o supra sumo de todas as coisas está logo aqui. Em cada um. Fomos feitos para isso. Somos isso. E preferimos ser a negação, e acabando se findar buscando o que morava dentro desde o princípio. O SUBLIME é simples. Simples de ostentação. Vazio de ostentação. Aqui não. Quando estivermos nus, seremos SUBLIMES ! Quando existirem somente minha essência e minha consciência. Seremos o melhor que pudermos ser para nosso Criador! Assim... a tentativa continua.
 

terça-feira, 17 de abril de 2012

# Experiência como evidência de fé: benefício ou malefício para a proclamação do evangelho?


por Pedro Jonatas (Bacharelando em Teologia)

Em uma era pós-moderna, onde o relativismo ganha adeptos a cada dia, a proclamação do evangelho através da experiência de fé vem se tornando o meio mais viável. E aquela proclamação histórica tradicionalmente usada pela igreja, vem perdendo sua eficácia. Mas seria essa afirmação verdadeira? A proclamação evidencial-histórica está com os seus dias contados?
Em sua obra “A proclamação do evangelho”, Karl Barth diz: “Nós não temos que expor a verdade de Deus sob uma forma estética usando imagens inúteis ou apresentando Jesus Cristo através de efusões sentimentais”. (BARTH, 1963, pag. 5). Entretanto, um grande erro que pregadores atuais cometem é afirmarem que sabem que na plateia tem pessoas infelizes e que tem um vazio grande dentro de si. E convidam as pessoas a vir à frente “aceitarem Jesus” para começarem a ter uma vida feliz. E afirmam que antes de aceitarem Jesus eles viviam uma vida infeliz, mas depois da conversão andam alegremente. Tais pregadores têm que ter em mente que também há felicidades na vida das pessoas que não são cristãs. Como muitos budistas acham suas vidas perfeitas, nos fazendo entender que o sol nasceu para todos. E quando é usada a vida de pessoas que antes eram uma coisa e agora são outras para pregar o evangelho, acabam afirmando que da mesma forma que Deus agiu na vida daquela pessoa, Ele deve agir na vida da pessoa que o aceitar.
Ou seja, se Deus deu um carro e uma casa para aquela pessoa que foi usada como exemplo, o ouvinte deve pensar que se aceitar esse Jesus, vai ganhar também presentes de Deus. O que esses pregadores devem fazer é começarem a pregar uma mensagem autentica, pois quem convence o homem do pecado da justiça e do juízo é o Espírito Santo. Se a experiência é valida, o budista e o cristão possivelmente têm a mesma fé, expressa de uma forma bastante diferente. Na realidade a pregação tem que ser sobre a cruz de Cristo, e que eles devem reconhecer Jesus Cristo como Senhor da vida deles não para ganhar presentes, mas para ter a vida eterna.
A igreja cristã tem como dever recusar a aceitar ideologias temporárias da modernidade que modifique a essência do cristianismo. E deve isso a posteridade, pois a dois mil anos, pessoas lutaram para que a ortodoxia e a ortopraxia cristã fosse preservada. Contudo, como diz Russell Norman Champlin: “A ênfase demasiada sobre as experiências religiosas tem dado margem a uma multidão de grupos carismáticos que não dedicam tempo ao estudo bíblico sério, o que significa que seus membros não têm fortes alicerces para a fé cristã”. (CHAMPLIN, 2008, pag. 634). E é isso que a pregação baseada na experiência faz, gera cristãos que não sabem defender sua fé. A falta de teologia deixa o povo sem conhecimento, ou seja, sem um alicerce firme. Com isso, proclamam o reino de Deus através de suas experiências, deixando de ecoar o que Jesus disse. Mas na verdade é como Karl Barth diz: “A pregação é a Palavra de Deus pronunciada por Ele mesmo”. (BARTH, 1963, Pag. 4). Isso significa que devemos levar a voz de Jesus para as pessoas, mas sem incluir a nossa voz, porque na verdade ela não serve para nada.
Devemos voltar ao modo clássico de pregação, e orar a Deus por um avivamento genuíno no Brasil. Mas lembrando que Avivamento é sacudir a comunidade para voltar para a fé cristã, e sua centralidade é a cruz e o juízo. Mas isso só é possível através de uma pregação cristocêntrica baseada nas Escrituras. A partir de agora é um questão de escolha, aderir à pregação através da experiência, para obter quantidade. Ou aderir a uma pregação cristocêntrica, para obter qualidade. O que é melhor? Sem duvida o que em breve vai acontecer, é que povo vai ficar saturado desse tipo de sermão, e vão à procura de alimento sólido.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

A EPÍSTOLA DE TIAGO COMO UMA PROPOSTA DE ESPIRITUALIDADE INTEGRAL À IGREJA ASSEMBLEIA DE DEUS DO BRASIL – PARTE II

Por Alessandro Arlan Flugel (este texto é parte do 3° capítulo do meu TCC, curso de Bacharelado em Teologia).


Espiritualidade integral na epístola de Tiago

Os escritos de Tiago[1] têm muito a nos ensinar a respeito de como exercer uma espiritualidade integral. Com seu conteúdo voltado para a práxis do cristianismo, seus ensinamentos são extremamente necessários para a igreja do século XXI. Para Tiago, de nada adianta fazer declarações de fé ou pertencer a uma igreja se a espiritualidade que estes cristãos declaram não for praticada. (LOPES, 2006). Em Tiago, a espiritualidade é o pressuposto que determina o comportamento do cristão em todas as áreas de sua vida e não apenas na relação com o sagrado.
A epístola de Tiago nos ensina que uma espiritualidade integral não analisa o homem em áreas e momentos separados, ou seja, não se é espiritual apenas na igreja, mas em todos os lugares e em todas as situações. “Tiago, [...], apresenta uma série de exortações e diversas admoestações que refletem uma ênfase ética, e não doutrinária” (KISTEMAKER, 2007, p. 21). Deste modo, todos os aspectos da vivência humana refletem a espiritualidade que estes cristãos possuem, afinal, tudo o que eles fazem, expressa o caráter que possuem, por exemplo, nada adianta uma pessoa se considerar religiosa se nem ao menos consegue controlar sua língua (Tg 1:26).
Este trabalho não se constitui em um comentário exegético da epístola de Tiago. Por isso, apresentaremos a seguir alguns princípios evidenciados na epístola que nos ajudarão a compreender atitudes que precisam ser consideradas na busca de se viver uma espiritualidade integral. Deste modo, espiritualidade integral se manifesta na vida daqueles que, entre outros princípios apresentados pelas sagradas escrituras, atentam para os seguintes princípios expostos na epístola de Tiago, sendo eles:
Vivemos em uma era denominada pós-modernidade onde muitos são aqueles que apenas querem obter bênçãos de Deus. Isso demonstra uma espiritualidade doente, uma espiritualidade voltada aos benefícios que o evangelho pode trazer. Tais indivíduos apresentam uma espiritualidade que não é constante, mas sim, transitória. Enquanto estão sendo abençoados, estas pessoas expressam ser altamente espirituais, por outro lado, a qualquer indício de situação aflitiva, acabam apresentando uma espiritualidade débil.
Contrariando este tipo de espiritualidade, Tiago nos apresenta uma espiritualidade que é provada. Além de ser provada, estas provas perduram por algum tempo, afinal, Tiago exorta seus leitores a perseverarem nas provações. Complementando seus ensinamentos a respeito das provações, o autor salienta que o passar por provações deve ser motivo de grande alegria (Tg 1:2-4). Consoante Kistemaker (2007, p.44), “Tiago, [...], não está alheio às provações de seu povo. Ele próprio havia testemunhado a morte de Estêvão, a perseguição que se seguiu e a dispersão da igreja de Jerusalém [...]”.
Com isso, vemos que realmente é necessário passar por provações para exercermos uma espiritualidade integral. Uma espiritualidade que busca apenas bênçãos e vitórias não é condizente com uma espiritualidade integral, afinal:

[...] A vida cristã não é um mar de rosas. Jesus advertiu: “No mundo tereis tribulações...” (Jo 16.33). O apóstolo Paulo disse: “... por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus” (At 14.22). Ainda, Paulo disse: “... todos os que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições” (2Tm 3.12). O grande patriarca Jó disse: “... o homem nasce para a tribulação, como as faíscas voam para cima” (Jó 5.7) [...] (LOPES, 2006, p. 15-16).
O grande tema tratado por Tiago é sobre a prática do evangelho. Ele não se preocupa em fazer grandes exposições sobre doutrinas ou formular dogmas. Seu interesse recai sobre a necessidade dos cristãos praticarem aquilo que professam. Em Tg 1:22, ele diz: “sede praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando a vós mesmos”. Fazendo uso de uma analogia, Tiago diz que a pessoa que ouve a palavra, mas não pratica, é semelhante a uma pessoa que contempla a própria imagem no espelho e, depois que se vira, esquece daquilo que viu (Tg 1:23-24). Segundo Kistemaker (2007, p. 86):

[...] A pessoa que olha no espelho para ver sua própria imagem e logo a esquece é como a pessoa que ouve a proclamação da Palavra de Deus, mas não responde. Ela vê seu reflexo no espelho, arruma rapidamente sua aparência externa e vai embora. Ela ouve o evangelho sendo pregado, faz pequenas mudanças e segue seu caminho. O evangelho, porém, não consegue penetrar no coração e não pode mudar a disposição interna do ser humano. O espelho é um objeto usado para alterar a aparência externa da pessoa; a Palavra, contudo, confronta o ser humano internamente e exige uma resposta.

Uma espiritualidade integral vai muito além do que apenas ouvir e conhecer o evangelho. É necessário colocar em prática. Afinal, o verdadeiro conhecimento do evangelho e uma fé autêntica não ficam circunscritos a este mero conhecimento, ela se evidencia através das obras. Em Tg 2:14 lemos: “Meus irmãos, que vantagem há se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Essa fé poderá salvá-lo?”. Neste versículo, em momento algum Tiago está negando a doutrina da Justificação pela Fé de Paulo. Pelo contrário, ele está dizendo que a fé fidedigna que gera salvação evidencia-se através das obras. Sobre isso, Lopes (2006, p. 81) comenta:

Uma profissão de fé cristã que não for acompanhada das obras correspondentes que atestam sua genuinidade não é de proveito algum: Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? A pergunta de Tiago foi elaborada gramaticalmente para obter uma resposta negativa. O “proveito” da fé é a salvação. Uma fé sem obras não tem proveito algum porque é falsa. Portanto, não pode salvar. A lógica de Tiago é esta: a salvação é mediante a fé; a fé produz obras; onde não há obras, a fé não existe; logo, profissão de fé sem obras que a acompanham não tem qualquer proveito.

Com isso, vemos que uma espiritualidade integral não se enclausura apenas no interior do indivíduo, longe disso, ela se exterioriza produzindo obras. “As igrejas estão cheias de pessoas que dizem que creem, mas não vivem o que creem. Isso é fé morta. Elas têm discurso, mas não têm vida” (LOPES, 2006, p. 49-50).
Havia muitas viúvas e órfãos na época da escrita da epístola. Com isso, Tiago resume o conceito de “religião verdadeira” como sendo aquela que cuida dos órfãos, das viúvas e não se deixa contaminar pelo mundo. Espiritualidade solidária é aquela que atenta para as dificuldades do próximo, que doa sem esperar nada em troca. Espiritual não se é apenas quando se está no espaço litúrgico, mas, também, quando se alimenta o pobre, o necessitado. Segundo Lopes (2006, p. 43), o verdadeiro cristão “[...] não é dado à verborragia, mas à ação. Não ama apenas de palavra, mas de coração. Abomina o sentimentalismo inócuo. Usa a razão, e por isso dá pão a quem tem fome”. Muitas pessoas necessitam de cristãos que exerçam uma espiritualidade solidária:

A igreja deve estender seu cuidado com os pobres além dos limites de sua própria comunidade? Sim, em nosso mundo cada vez menor, os refugiados e sem-teto, os famintos e miseráveis, os enfermos e aflitos precisam de nossa ajuda onde quer que estejam. Mostramos o amor de Jesus ao estendermos a mão para socorrê-los (KISTEMAKER, 2007, p. 93).

Outro exemplo claro quanto à espiritualidade solidária se dá quando Tiago exorta seus leitores a não discriminar pessoas. Usando o exemplo de duas pessoas, uma rica e uma pobre, o autor os exorta a não tratarem melhor o rico em relação ao pobre (Tg 2:1-4). Aquele que exerce uma espiritualidade integral é solidário para com todas as pessoas. Ele não faz acepção e, assim, proclama o evangelho em palavras e ações.
Vivenciar de forma plena o evangelho, segundo Tiago, implica em ter controle sobre a própria vida. Contudo, ter controle sobre a vida não é fácil, tanto é que, aquele que consegue dominar a própria língua, domina o corpo todo. O autor expressa isso em Tg 3:2 quando diz: “Todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, esse homem é perfeito e capaz de refrear também seu corpo inteiro”.
Antes, porém, já no primeiro capítulo e no versículo vinte e seis, Tiago afirma: “Se alguém se considera religioso e não refreia sua língua, engana seu coração, e sua religião é inútil”. Irrefragavelmente, Tiago mostra neste versículo que a práxis da vida cristã vai muito além de se considerar religioso, frequentar uma igreja e assentir a um conjunto de normas previamente estabelecidas. Espiritualidade integral engloba o cuidar da língua, o domínio próprio. Quanto a isso, Lopes (2006, p.59) comenta:

Tiago está dizendo que podemos ter um conhecimento colossal das Escrituras, podemos ter um invejável cabedal teológico, mas se não dominamos a nossa língua, a nossa religião é vã. Para Tiago, para ser um cristão verdadeiro não basta apenas a teologia ortodoxa, é preciso também uma língua controlada.

Por meio de ilustrações - a do freio do cavalo, o leme do navio e a fagulha na floresta – Tiago enfatiza a necessidade de se controlar a língua. Como exemplo, quando Tiago fala da fagulha na floresta, ele mostra que a língua é capaz de causar grandes danos, muitas das vezes, irreparáveis. A língua se compara a fagulha que, em lugar errado, neste caso a floresta, é capaz de queimar tudo que está a sua frente. Explicando esta ilustração, Kistemaker (2007, p. 153), diz:

Ele compara a língua ao fogo no sentido de que está fora de controle e destrói tudo o que é combustível e encontra-se no seu caminho [...]. Ele esclarece essa comparação por meio do comentário “é um mundo de perversidade”. Talvez a intenção de Tiago seja a de fazer contraste entre pequeno e grande: a referência a uma pequena fagulha e uma grande floresta é seguida por uma sobre a língua e o mundo de iniquidade. [...] Como “órgão pequeno” do corpo, é um “mundo de perversidade” e “está situada entre as partes do corpo”. A língua é, portanto, identificada com – e em certo sentido é veículo para – um mundo completo de iniquidade que reside em meio aos membros do corpo humano. Ela conta mentiras, difama o nome de alguém, alimenta o ódio, cria discórdia, incita a luxúria e, em resumo, dá origem a muitos pecados. [...] Por causa de sua tendência para o mal, a língua corrompe todo o ser humano.

Viver de forma submissa a Deus não é fácil, porém, necessário. Tiago fala sobre a incerteza dos projetos humanos, ou seja, pode-se até projetar coisas a serem feitas, mas a concretização destes projetos depende de Deus. Deste modo o autor diz: “[...] Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4:15).
Assim, Tiago nos apresenta mais um princípio necessário para se viver uma espiritualidade integral que é a submissão a Deus em todos os aspectos cotidianos do ser humano. Comentando a respeito disso, Kistemaker (2007, p. 204) diz:

Desde o tempo da Reforma, guardamos com cuidado a verdade de que este mundo criado por Deus e remido por Cristo é oficina do cristão. Assim, nosso trabalho realizado nessa oficina é feito para a glória de Deus. [...] Os cristãos, portanto, aceitam o senhorio de Cristo em todas as áreas de sua vida. Escolhem viver em obediência à vontade de Deus conforme revelada na sua Palavra. Conhecem aquilo que é bom, correto, honroso, justo e reto [...].

Princípio da paciência
Sem dúvida, ser paciente nesta era científico-tecnológica pela qual passamos, não é fácil. A cada dia surgem novidades no mercado no intuito de acelerar ainda mais o ritmo da vida do ser humano. Assim, as pessoas se tornam impacientes, afinal, querem tudo instantaneamente. Com isso, a espiritualidade é afetada, afinal, ninguém quer esperar a provisão de Deus, a ação de Jesus Cristo, mas sim, na busca por resultados rápidos, primam pela ação própria sem o respaldo do Senhor.
Acerca da paciência descrita por Tiago, Kistemaker (2007, p. 223) comenta:

A paciência é uma virtude que poucos têm e muitos procuram. Vivemos numa sociedade que defende a palavra instantâneo. Mas ser paciente, da maneira como Tiago usa a palavra, é muito mais do que esperar passivamente que o tempo passe. Paciência é a arte de suportar alguém cuja conduta é incompatível com a de outros e por vezes opressiva. Uma pessoa paciente acalma uma briga, pois controla sua ira e não busca vingança [...]. [...] paciência é o contrário de ser irascível. Deus demonstra paciência ao ser “tardio em irar-se” quando o ser humano continua a pecar, mesmo depois de muitas admoestações [...]. O ser humano deve refletir essa virtude divina em sua vida diária.

A vida cristã e o exercício de uma espiritualidade integral não se constituem em viver constantemente no ápice do bem estar, na realização pessoal, como afirma a teologia da prosperidade[2]. Pelo contrário, haverá muitas situações de dificuldades que os seguidores de Cristo enfrentarão. Sendo assim, Tiago nos adverte sobre a importância da oração. O autor diz: “Alguém de vós está aflito? Ore. Alguém está contente? Cante louvores” (Tg 5:13). Segundo Lopes (2006, p. 117):

[...] Um cristão maduro é aquele que tem uma vida plena de oração diante das lutas da vida. Em vez de ficar amargurado, desanimado, reclamando, ele coloca a sua causa diante de Deus e Deus responde seu clamor. Tiago escreve uma carta prática e, por isso, ele começa e termina esta carta com oração. Desperdiçamos tempo e energia quando tentamos viver a vida sem oração.

Percebe-se com isso que, espiritualidade integral, fundamenta-se em constante oração, no diálogo com Deus. Jamais o cristão terá plena realização de seus anseios pessoais, assim, irá passar por muitas coisas pelas quais não esperava. Diante disso, ele deve orar e continuar vivendo sua espiritualidade de forma integral.
Muitos buscam apenas o bem de si mesmo e, com isso, acabam por negligenciar as aflições do seu próximo. Contudo, conforme lemos em Tiago 5: 16 é necessário que “uns orem pelos outros”. Também, em Tiago 5: 19-20 vemos a necessidade de recondução daquele que saiu da verdade por parte daquele que permanece na verdade. Mutualidade é necessário no exercício de uma espiritualidade integral, assim, Kistemaker (2007, p. 249) afirma:

[...] Tiago ressalta a responsabilidade conjunta que os cristãos têm uns para com os outros. Eles não apenas confessam pecados e oram juntos, mas devem também exercitar o cuidado espiritual, que é mútuo e benéfico. Esse cuidado dever ser administrado individualmente ao crente por meio do aconselhamento pessoal e à igreja por meio da pregação da Palavra.

Os princípios que foram expostos acima nos mostram algumas características de como se viver uma espiritualidade integral. Assim, a epístola de Tiago precisa ser pregada, exposta de forma clara em nossas igrejas. Deste modo, nossos cristãos estarão mais conscientes acerca de como viver o evangelho de Jesus Cristo conciliando aquilo que professam com a sua prática cotidiana. Isso significa exercer uma espiritualidade integral.

REFERÊNCIAS

KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

LOPES, Augusto Nicodemos. SÉRIE INTERPRETANDO O NOVO TESTAMENTO: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

LOPES, Hernandes Dias. TIAGO: transformando provas em triunfo. São Paulo: Hagnos, 2006.



[1] Sempre que for citado diretamente o conteúdo da epístola de Tiago, será usada a abreviação Tg. Também, a versão utilizada será sempre a Almeida Séc 21.
[2] Teologia da prosperidade, também conhecida como confissão positiva, afirma a partir de alguns textos bíblicos que os verdadeiros seguidores de Cristo devem ter uma excelente vida financeira e não serem acometidos por doenças.