domingo, 1 de abril de 2012

EPÍSTOLA DE TIAGO COMO UMA PROPOSTA DE ESPIRITUALIDADE INTEGRAL – PARTE I

Por Alessandro Arlan Flugel (este texto é parte do 3° capítulo do meu TCC, curso de Bacharelado em Teologia).

A espiritualidade assembleiana, embora em uma abordagem teórica seja bem formulada, na prática, não se evidencia totalmente a aplicação daquilo que se estabeleceu na teoria. O principal problema consiste na separação do indivíduo entre áreas espirituais, emocionais, financeiras, etc. Com isso, a prática da espiritualidade fica reduzida aos templos, valorizando muito mais os dons espirituais, principalmente o de falar línguas, como fator que averiguará se determinada pessoa é ou não espiritual. Desta forma, aspectos da realidade cotidiana do cristão que não envolve diretamente o sobrenatural, acabam por ser desconsiderados como evidência de sua espiritualidade.
Contrariando isso, a espiritualidade que as Sagradas Escrituras nos apresentam é uma espiritualidade holística. Em virtude disso, dentre os outros livros constituintes da Bíblia Sagrada, usaremos a Epístola de Tiago como uma proposta de espiritualidade integral a ser seguida. O motivo por se escolher a Epístola de Tiago, consiste no fato dela mostrar o lado prático do viver de um cristão, esmiuçando coisas que, para muitos, não têm nenhuma relação com a vida espiritual do indivíduo.
Antes de analisarmos especificamente o conteúdo desta Epístola é importante atentarmos para algumas informações introdutórias da epístola de Tiago.

A epístola de Tiago


Quanto aos dados introdutórios, não examinaremos a fundo os pormenores que contribuíram para a escrita da epístola, mas, apenas informações que são fundamentais para uma melhor compreensão, assim, precisam ser consideradas ao estudá-la.


De acordo com o comentarista Kistemaker, Tiago pode ser dividido em duas partes que seriam dois sermões. Além disso, Kistemaker argumenta sobre o fato de os escritos de Tiago, em muito se assemelharem com os sermões judaicos dos primeiros séculos. “Em resumo, a Epístola de Tiago consiste de dois sermões” (KISTEMAKER, 2006, p. 12). Deste modo, podem parecer conflitantes as afirmações de Kistemaker, afinal, ora ele diz que se trata de dois sermões e, por último, diz que é uma “epístola” constituída de dois sermões. Porém, o autor esclarece esse conflito quando diz: “[...] Essa epístola traz características de um sermão, mas, por causa do destinatário e da saudação no começo, não é um sermão, mas uma epístola” (KISTEMAKER, 2006, p. 13).
Portanto, os escritos do apóstolo Tiago são considerados uma epístola, mais precisamente, uma epístola geral, juntamente com as epístolas de Pedro, João e Judas. Recebem esta designação, devido ao fato de não serem endereçadas a pessoas ou igrejas específicas. A epístola de Tiago, por exemplo, é endereçada as doze tribos da dispersão.


No primeiro versículo da epístola, o autor identifica-se como Tiago. Porém, esta identificação do autor no começo de sua epístola não é suficiente para determinarmos qual Tiago é o escritor. Isso se deve ao fato do Novo Testamento nos apresentar não apenas um Tiago, mas, cinco, sendo eles: Tiago, filho de Zebedeu; Tiago, filho de Alfeu; Tiago, o menor; Tiago, pai de Judas; Tiago, meio irmão de Jesus.
No caso de Tiago, filho de Alfeu, o Novo Testamento não nos fornece muito detalhes a respeito da sua vida. “Se esse apóstolo tivesse escrito a epístola, ele teria oferecido mais identificações. Além disso, a igreja teria mantido viva essa memória se essa epístola tivesse sido escrita por um apóstolo” (KISTEMAKER, 2006, p. 17). Em relação a Tiago, o menor, e Tiago, pai de Judas, nada sabemos sobre a vida deles. Desta forma, fica difícil atribuir-lhes a autoria desta epístola. Deste modo, dentre os cinco Tiago apresentados no Novo Testamento, apenas Tiago, filho de Zebedeu e Tiago, o meio irmão de Jesus, podem reivindicar a autoria desta epístola.
Porém, mediante análise detalhada percebe-se que apenas Tiago, meio irmão de Jesus, pode ser o autor da epístola que leva o seu nome. Esta conclusão resulta do fato de que, Tiago, filho de Zebedeu, mesmo sendo um dos discípulos mais próximos de Jesus, foi morto nos primeiros anos da década de 40 (At 12:2). “Esse fato faz com que seja praticamente impossível que ele tenha escrito essa carta, mesmo que seja datada bem cedo” (LOPES, 2006, p.9). Além do mais, segundo Kistemaker (2006, p. 17, grifo do autor):

[...] Se Tiago, filho de Zebedeu, tivesse escrito a Epístola de Tiago, seria de se esperar mais informações internas e externas. Ao invés de chamar-se de “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” ele teria usado o termo apóstolo de Jesus Cristo, e a igreja primitiva teria recebido e guardado com cuidado a epístola como um escrito apostólico.

Desta forma conclui-se que, Tiago, o meio irmão de Jesus, é o autor da epístola. Não apenas as evidências internas indicam o meio irmão de Jesus como autor da epístola, mas, também, as evidências externas. “Orígenes, Eusébio, Cirilo de Jerusalém, Agostinho e Atanásio, entre outros, se referiram a Tiago, irmão de Jesus, como autor dessa epístola” (LOPES, 2006, p. 10).


Vários pesquisadores têm divergido quanto a provável data de escrita da epístola. Partindo do princípio que o autor foi Tiago, o meio irmão de Jesus, uma possível data gira em torno entre 44 d.C – data em que Tiago assume o controle da igreja de Jerusalém no lugar de Pedro, depois da morte do rei Herodes Agripa I (At 12:23) – e 62 d.C – ano da morte de Tiago.
Segundo Kistemaker (2006, p. 31):
           
Pelo fato de nada na Epístola de Tiago indicar a controvérsia entre judeus e gentios que levou à convocação da reunião geral dos apóstolos e presbíteros em Jerusalém (At 15), a carta provavelmente foi escrita antes dessa reunião do concílio. Os estudiosos acreditam que o concílio reuniu-se no ano de 49 d.C.

Como se percebe é difícil determinar o ano exato. Contudo, levando em consideração a posição do Dr. Kistemaker, vemos que a provável data de escrita é algum ano entre 44 d.C a 49 d.C e não mais entre 44 d.C a 62 d.C. Mesmo que alguns estudiosos digam que a carta foi escrita mais tarde, devido ao fato dela falar sobre a justificação pela fé, doutrina esta pregada por Paulo - tendo assim que ser posterior aos escritos paulinos - essa posição não é considerável, pois, “a doutrina de que o homem é salvo pela fé em Jesus Cristo tem origem no ensinamento do próprio Jesus, Pedro, Judas e aos Hebreus” (LOPES, 2006, p. 13).
Quanto ao local, surgem também várias opiniões, como: Roma, Jerusalém, Alexandria, Cesaréia. Entretanto, com evidências internas, sendo que, o próprio texto fala sobre lavradores que esperam as primeiras chuvas, pode-se presumir que a região de escrita foi à Palestina, pois nesta região, as chuvas de outono e primavera são típicas. Todavia, não se pode afirmar com certeza, pois, o autor pode ter escrito pensando em um lugar, sem necessariamente, estar nesse lugar (KISTEMAKER, 2006).


No primeiro versículo, o autor endereça seus ensinamentos às doze tribos da dispersão. Doze, faz referência às doze tribos de Israel, que entendidos figurativamente, representam agora, o novo Israel. Após a morte de Estevão (At 7), inicia-se uma perseguição ao judeus cristãos. Com isso, o povo judeu convertido dissipa-se para regiões entre Judéia, Samaria, Fenícia, Chipre e Antioquia. “Tiago escreveu uma carta pastoral para esses crentes dispersos que, antes da perseguição, pertenciam à igreja de Jerusalém” (KISTEMAKER, 2006, p.16).


Estaria Tiago contestando a salvação somente pela fé divulgada pelo apóstolo Paulo e amplamente desenvolvida na Epístola aos Romanos? Esta é uma pergunta importante ao se analisar a relação entre Paulo e Tiago. Por ser importante, muitas discussões e interpretações ao longo da historia têm se feito a respeito.
Alguns estudiosos afirmam que Tiago escreveu sua Epístola antes de Paulo redigir sua Epístola aos Romanos. Desta forma, Tiago não tinha conhecimento da justificação apenas pela fé, creditando assim, salvação também pelas obras. Outros afirmam que Tiago conhecia a justificação apenas pela fé pregada por Paulo e, em face deste conhecimento, escreveu confrontando Paulo por acreditar que a salvação apenas pela fé produziria um cristianismo apenas teórico. Lutero, por exemplo, chega a chamar a Epístola de Tiago de carta de palha, por pensar que Tiago estaria contradizendo Paulo e pelo fato dela falar pouco a respeito do Evangelho. Mais tarde, Lutero ameniza suas declarações. Já Calvino, pelo contrário, nunca desmereceu os escritos de Tiago, chegando até a escrever um comentário sobre a Epístola.
Não obstante, a interpretação mais aceita por muitos estudiosos é que Paulo e Tiago em nada se confrontam, pelo contrário, se complementam. A diferença se constitui na ênfase dada por um e por outro. De acordo com Lopes (2006, p. 45-46):

Mas será que Tiago está contradizendo Paulo? Absolutamente não. Eles se complementam. Paulo falou que a causa da salvação é a justificação pela fé somente. Tiago diz que a evidência da salvação são as obras da fé. Paulo olha para a causa da salvação e fala da fé. Tiago olha para a consequência da salvação e fala das obras. [...] Calvino diz que a salvação é só pela fé, mas a fé salvadora não vem só. Ela se evidencia pelas obras. A questão levantada por Paulo era: “Como a salvação é recebida?” A resposta é: “Pela fé somente”. A pergunta de Tiago era: “Como essa fé verdadeira é reconhecida?” A resposta é: “Pelas obras!” Assim, Tiago e Paulo não estão se contradizendo, mas se completando [...].

Esboço da epístola

           
Há muitos esboços da Epístola de Tiago a cerca do seu conteúdo. Dentre outros, um que abrange bem o conteúdo da Epístola e que será utilizado neste trabalho é a do autor Kistemaker. Segundo Kistemaker (2006, p. 34), a Epístola de Tiago “apresenta diversos temas que estão entretecidos e que, com frequência se repetem”. Desta forma, o autor apresenta uma divisão principal em capítulos com seus respectivos assuntos, sendo: perseverança, fé, controle, submissão e paciência. O esboço detalhado da epístola, apresentado por Kistemaker (2006, p. 35-36), está representado na tabela abaixo:

Perseverança (1: 1-27)
A.    Saudações (1.1)
B.    Provações (1.2-11)

1.    Provação da fé (2-4)

2.    Pedindo sabedoria (5-8)

3.    Orgulhando-se (9-11)
C.   Testes (1.12-18)

1.    Suportando a provação (12)

2.    Sendo tentado a cobiçar (13-15)

3.    Recebendo os dons perfeitos (16-18)
D.   Acordos (1.19-27)

1.    Aceitando a Palavra de Deus (19-21)

2.    Ouvindo com obediência (22-25)

3.    Servindo religiosamente (26-27)
Fé (2.1-26)
A.    A Fé e a Lei (2.1-13)

1.    Evitem o favoritismo (1-4)

2.    Sejam ricos em fé (5-7)

3.    Obedeçam à lei régia (8-11)

4.    Mostrem misericórdia (12-13)
B.    Fé e Obras (2.14-26)

1.    Fé sem obras (14-17)

2.    Fé, obras e credo (18-19)

3.    A fé de Abraão (20-24)

4.    Fé e justificação (25-26)
Controle (3.1-18)
A.    Uso da língua (3.1-12)

1.    A disciplina da fala (1-2)

2.    Exemplos (3-8)

3.    Louvor e maledicência (9-12)
B.    Dois tipos de Sabedoria (3.13-18)

1.    Sabedoria terrena (13-16)

2.    Sabedoria celestial (17-18)
Submissão (4.1-17)
A.    Submissão de Vida e Espírito (4.1-12)






1.    Questionando com a motivação errada (1-3)








2.    Tendo amizade com o mundo (4-6)

3.    Aproximando-se de Deus (7-10)

4.    Julgando um irmão (11-12)
B.    Submissão à Vontade de Deus (4.13-17)

1.    Exemplo (13-15)

2.    Bem e mal (16-17)
Paciência (5.1-20)
A.    Impaciência com os Ricos (5.1-6)

1.    A quem se refere (1)

2.    Riqueza (2-3)

3.    Roubo (4)

4.    Viver em prazeres (5)

5.    Homicídio (6)
B.    Necessidade de Paciência (5.7-11)

1.    Súplica por paciência (7-8)

2.    Advertência contra a impaciência (9)

3.    Exemplos (10-11)
C.   Juramentos (5.12)
D.   Persistência na Oração (5.13-18)

1.    Oração e louvor (13)

2.    Oração e fé (14-15)

3.    O poder da oração (16)

4.    Exemplo (17-18)
E.    Salvando o Desviado (5.19-20)




KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

LOPES, Augusto Nicodemos. SÉRIE INTERPRETANDO O NOVO TESTAMENTO: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

LOPES, Hernandes Dias. TIAGO: transformando provas em triunfo. São Paulo: Hagnos, 2006.

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