terça-feira, 1 de novembro de 2011

Reformulando: Comentários a propósito de mais um aniversário da Reforma Protestante (PARTE I)


Por Victor Breno

Ontem (31/10) se comemorou entre os protestantes por quase todo o mundo mais um ano (agora contabilizando 494 anos) de Reforma Protestante. Este foi um evento de importância singular para a construção sociorreligiosa dos movimentos cristãos subsequentes, em especial aos protestantismos, sob o solo de um novo suporte teológico mais bíblico. E como este primeiro post surge relacionadamente com está data significativa, gostaria de fazer alguns comentários a respeito (PARTE I), sem me prender a detalhamentos históricos e teológicos, e por fim (PARTE II), buscar possíveis aplicações.
Primeiramente vale situar o fenômeno historicamente. Podem-se observar dentro da história da cristandade três grandes cismas:
- 1054: a divisão entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente;
- 1378 a 1417: na idade média a luta entre os papas Urbano VI, Clemente VII e logo após Bonifácio IX;
- 1520: exoneração de Lutero pela igreja de Roma;
A religião cristã sempre foi palco de tensões teológicas e autoritativas durante sua construção histórica. Todavia, às vezes esses embates ganhavam proporções maiores devido a diversas confluências históricas ao ponto de escaparem ao regimento administrativo de suas lideranças. Com isso, ocorreram os cismas, movimentos de ruptura interna que visavam uma reconfiguração do status quo em vista de seu alegado estado de corrupção e descontinuidade com a tradição bíblica.
A chamada Reforma Protestante, como terceiro grande cisma da cristandade, localiza-se historicamente dentro de um quadro mais amplo de referência conhecida como o período das Reformas. No mosaico dos eventos reformistas do século XVI, quatro grandes movimentos são identificados, a saber: a reforma luterana, a reforma reformada (calvinista), a reforma anabatista e a contrarreforma da igreja católica, sendo esta última não importante dentro da nossa discussão. As duas primeiras são chamadas de Reformas Oficiais e a terceira chamada de Reforma Radical, pois implicava um desligamento submitivo ao Estado.
Diferentemente do que talvez se possa imaginar, a reforma protestante não foi um fato ocorrido especificamente em uma data (1517). Foi resultado de um processo histórico cumulativo: o surgimento e a influência do humanismo, enfraquecimento do escolasticismo, o espírito do nacionalismo, desenvolvimento do capitalismo, o nascimento da imprensa e as práticas abusivas do clérigo católico. A partir dai se começou a evidenciar pequenos lampejos reformatórios aqui e ali por todas as partes na Europa Ocidental. Nomes, por exemplo, como o de John Huss já sinalizavam 100 anos antes um terrível incômodo com a realidade institucional e teológica da Igreja de Roma.
A protagonização dessas reformas a partir de 1517, com o afixamento das conhecidas 95 teses na catedral de Wittenberg, vem de nomes como os de Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino. Mesmo sendo um movimento essencialmente religioso, a reforma protestante desencadeou subsequentemente várias transformações sociais, econômicas e culturais na Europa. A Reforma Protestante foi um movimento de revisão crítica do estado institucional e teológico da Igreja de Roma que buscou uma nova maneira, a partir do resgate de uma fundamentação mais adequadamente bíblica, de viver a fé cristã.
Muito embora a Reforma Protestante não tenha sido um movimento teologicamente e geograficamente homogêneo, emergem como já bem conhecidos, os princípios protestantes que delimitam seus marcos teológicos em relação à doutrina normativa da cristandade ocidental (Igreja de Roma):
# sola Gratia et Fides (a salvação proporcionada exclusivamente pela graça mediante a fé)
# sola Scriptura (Supremacia das escrituras em relação às autoridades eclesiásticas e das práticas cristãs)
# Sacerdócio universal de todos os crentes.
Vale destacar também que no âmago das desavenças entre os clérigos católicos e os reformadores, estava à problemática soteriologia. Os reformadores criticaram o sinergismo extremado no qual conferia ao sistema indulgenciário e meritório e a intermediação da igreja católica os caminhos para se alcançar a salvação. Destacado o solus Christus, os reformadores enfatizaram a mediação única e exclusiva de Cristo para salvação em contraposição ao exclusivismo eclesiocêntrico da Igreja de Roma.
Surge, deste período, diversas confissões de fé com o intuito de fincar bandeiras teológicas específicas de cada movimento em particular, mais dentro do já visto consenso doutrinário protestante. Aparecem também nesta época, os elaborados manuais sistemáticos de teologia, com o intuito de organizar os dados da revelação bíblica de maneira coerente. Outro fato importante é que, com o acesso das escrituras sagradas na língua do povo, os “novos cristãos” tem a oportunidade ímpar, em relação à anteriormente, de ter um contato e conhecimento mais aprofundado da palavra de Deus.
Contrariamente ao desejo dos reformadores, a Reforma Protestante ao romper com a hegemonia cristã católica gerou um novo paradigma eclesial, o chamado denominacionalismo (Luteranos, Reformados e Anglicanos). Também lançou as bases para o período da pós-cristandade vivenciado a partir do Renascimento/Iluminismo e do pluralismo religioso atual.

Referências:
MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
OLSON, Roger. História da teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2001.
CAMPOS, Bernardo. Da reforma protestante à pentecostalidade da igreja. São Leopoldo: Sinodal/CLAI, 2002.


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