quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Princípios de Espiritualidade da Reforma que Precisam ser Reformados em nós


Por Alessandro A. Flugel

Esta semana comemoraram-se mais um aniversário da Reforma Protestante, especificamente, dia 31 de outubro. Como se sabe, a reforma protestante foi um marco na história do cristianismo, pois a partir dela nasceram às chamadas igrejas protestantes ou, como mais conhecidas hoje, as igrejas evangélicas.
Apesar de grande parte dos cristãos protestantes não conhecerem a fundo a sua história, não quero me deter em relatos históricos do evento, mas sim, quero falar sobre alguns princípios de espiritualidade encontrados na reforma, que podem – e precisam – ser pregados em nossas igrejas atuais.
No cenário religioso da época, a igreja católica pregava aos seus fiéis que, a justificação de fato devia ser merecida e que, para se alcançar isso, os fiéis teriam que passar pelo batismo, fazer obras de caridade e ter uma vida completa de penitências. No caso, a justificação era um processo, onde se iniciava com o batismo e, de acordo com a forma de viver do indivíduo – sacramentos, boas obras e penitências – chegaria um dia que de fato a pessoa em questão seria merecedora da salvação. Ou seja, em dado momento da história, esta pessoa chegaria a um estado elevado de “santidade” que realmente deixaria de ser pecador.
Com isso, criava-se um ambiente de culpa, pois seria quase que impossível às pessoas alcançar salvação, pois realmente teriam que merecê-la, mediante os sacramentos e conforme suas obras – algo que é impossível ao ser humano devido a sua natureza pecaminosa. Martinho Lutero, por exemplo, se confessava várias vezes ao dia, autoflagelava-se, jejuava até quase morrer de fome, além de dormir em um chão frio, tudo com o intuito de sacrificar sua carne e de fato merecer ser justificado.
Aproveitando-se dessa culpa falsa que a própria igreja fomentou, criou-se um sistema onde a igreja daria uma mãozinha aos seus fiéis para que eles alcançassem justificação. Para isso, eles apenas teriam que pagar as indulgências.
Mas o que eram as indulgências? Era uma espécie de passaporte para o céu, onde o indivíduo pagava um determinado valor à igreja, tendo assim, os seus pecados perdoados. Para se ter ideia da dimensão que o negócio das indulgências chegou, leia a citação abaixo – é longa, mas esclarecedora.

“o arcebispo Alberto (1490-1545), príncipe da Casa dos Hohenzollern, que já controlava duas províncias da Igreja Romana, lançou seus ávidos olhos sobre o arcebispado vancante de Mainz em 1514. Por ter apenas 23 anos de idade e por ser proibido pela lei canônica a alguém ter mais de um cargo, ele teria de pagar uma grande soma ao papa Leão X para as devidas dispensas pelas quais poderia acumular as funções. Felizmente para ele, o seu desejo de ocupar também o arcebispado de Mainz coincidiu com a necessidade de dinheiro que tinha o papa Leão X para construir a atual catedral de São Pedro em Roma. Alberto receberia a permissão para tomar o arcebispado de Mainz desde que pagasse ao papa outra grande soma. Já que essa soma pertencia ao campo das altas finanças, o papado sugeriu a Alberto que tomasse o dinheiro emprestado dos ricos Fuggers, família de banqueiros de Augsburgo. Uma bula papal, autorizando a venda de indulgências em determinados estados germânicos, foi apresentada como garantia de que Alberto pagaria o empréstimo aos Fuggers. Leão X recebeu a metade, e a outra metade seria repassada para os Fuggers” (CAIRNS, 2008, p. 255-256).

Percebe-se, que a mãozinha criada pela igreja católica para ajudar seus fiéis a obterem salvação, na verdade, era uma mãozona para si mesmo. Afinal, inúmeras quantias de dinheiros foram arrecadadas mediante a venda de indulgências. O absurdo era tamanho, que até mesmo se vendia indulgências para os familiares de pessoas já mortas, pois se pregava que estas pessoas estavam no purgatório e que, mediante a compra de indulgências por seus familiares, esses mortos sairiam do purgatório, indo para o paraíso.
Para se fundamentar o mercado financeiro das indulgências, dizia-se que “Cristo e os santos tinham alcançado tanto mérito durante suas vidas terrenas que o excedente estava guardado no tesouro celestial do mérito, de onde o papa poderia sacar no interesse dos fiéis vivos” (CAIRNS, 2008, p. 256).
Atormentado com essas práticas sem qualquer fundamentação Bíblica, Lutero contesta tais atitudes, mediante o fundamento sola gratia. Lendo as escrituras, – algo que o povo em geral não tinha acesso – principalmente o livro de Romanos, Martinho percebe que a Salvação é alcançada somente através da graça de Deus, mediante a fé – sola fide.
Deste modo, Martinho Lutero propaga que as indulgências de nada servem para o indivíduo ser justificado. Também, Lutero mostra que as boas obras também de nada servem para computar créditos a quem quer que seja visando à salvação. Tampouco, as obras penitenciais, como no caso a autoflagelação. No caso, as boas obras têm um papel de evidência da fé de cada pessoa em Jesus, que o leva até a Graça da salvação. Ou seja, as obras de nada servem para se chegar à salvação, mas elas demonstram se de fato determinada pessoa possuí uma fé genuína em Cristo que lhe outorgue salvação.
Assim, Lutero colocou em evidência o absurdo soteriológico[1] que a igreja católica impunha sobre seus fiéis, demonstrando que em nenhuma hipótese o ser humano consegue se autojustificar, seja com obras, com indulgências, com penitências. O único modo de sermos justificado é através da graça de Deus, mediante a nossa fé em Jesus.
Falando de espiritualidade, observamos como esta imposição da igreja católica aos seus fiéis, quanto ao se alcançar à salvação, teve implicações tamanhas na espiritualidade do povo da época. Criou-se uma culpa falsa no psicológico daquelas pessoas, fazendo que o seu modo de viver se voltasse ao como seriam salvas, ao o que teriam que fazer e ao quanto teriam que pagar para serem salvas. Deste modo, a espiritualidade de cada indivíduo fundamentava-se no como viver e no que fazer para que um dia se chegasse à salvação, ao contrário de uma espiritualidade sadia que, primeiramente se fundamenta na salvação e a partir desta salvação se vive e se faz.
Atualmente, no cenário religioso brasileiro, especificamente no pentecostal, fomenta-se a mesma culpa falsa, através de padrões de santidade que são impostos como que necessários para que o indivíduo alcance salvação. Deste modo, padrões de costumes, falar ou não em línguas (como evidencia física do batismo com o Espírito Santo), entre outros, são tidos como as principais características que demonstram se o indivíduo realmente é justificado.
Infelizmente, gostamos de apontar os erros do nosso semelhante, de colocá-lo em disciplina, como se a disciplina fosse capaz de perdoar o pecado do mesmo. A missão de Deus e o Reino de Deus são maiores que a igreja. A igreja existe por causa da missão de Deus no mundo. Assim, nossas igrejas devem ser lugar de acolhimento, não de diferenciações e imposições de padrões de santidade.
Não há nada que alguém possa fazer para que seja justificado, a não ser a Graça de Deus mediante a fé em Cristo. Assim, nem mesmo o dízimo de qualquer pessoa, independente de valor, jamais terá o poder de salvá-lo – certa vez ouvi um suposto pastor falar que se a pessoa não dá o dizimo não vai ser salva.
Se tivermos este princípio que só a graça de Deus mediante a nossa fé em Cristo pode nos salvar, creio que nossa espiritualidade será liberta, pois não teremos mais esta culpa falsa imposta sobre muitos, onde se dita regras e costumes propondo a salvação. Como já falei, não devemos conduzir nossa espiritualidade como algo que temos que fazer ou ser para que no final alcancemos salvação. Uma espiritualidade integral se dá quando temos fé em Cristo, quando percebemos que a graça de Deus nos alcançou e, a parti daí, vivemos e somos no mundo.
Por isso, não deixe que ninguém imponha sobre você um julgo que nem ele mesmo possa carregar. Seja alcançado pela Graça de Deus, tenha fé em Cristo.


REFERÊNCIA

CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 2008.



[1] Soteriológico: que vem de Soteriologia, que dentro da teologia sistemática, concerne ao estudo da Salvação.

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